terça-feira, 6 de setembro de 2016

GRANDE ENTREVISTA: DOMINGOS S. PEREIRA NA RTP ÁFRICA

ISABEL: O Governo que saiu das últimas legislativas foi demitido pelo Presidente como resultado de tensões e divergências. Este último ano tem sido ano de impasse e de bloqueio político na Guiné-Bissau. Este braço de ferro autêntico está a fazer com que o país esteja numa situação tremenda.

DSP: Obrigado, Isabel. É bom estar de volta e poder reencontrá-la e saudar a todos os telespectadores.

Bom, eu penso que é preciso reconhecer que estamos perante uma crise que foi induzida, foi provocada completamente dispensável. Numa altura em que todos os guineenses esperavam a viragem da página a um momento diferente para o país, outras individualidades e responsáveis políticos tinham outras agendas ou foram forçadas a isso. Já não sei dizer muito bem.

Nós chegamos ao poder, o PAIGC ganha as eleições com a maioria absoluta, mas tivemos consciência de estarmos a chegar ao fim duma transição forçada por um golpe de estado último de 12 de Abril de 2012. E, portanto, o PAIGC foi capaz de assumir a responsabilidade de, independentemente dos resultados eleitorais, convocar a noção guineense para uma governação inclusiva. Portanto, nós chamamos todas as forças políticas com a representação no parlamento e as forças políticas sem representação no parlamento, chamamos a diáspora, chamamos a sociedade civil e durante um ano fomos capazes de assegurar a estabilidade interna, fomos capazes de fazer uma governação que convenceu os guineenses que estávamos a abrir um novo capitulo da nossa história, da nossa vida e, portanto, que teve um apreço interno muito grande.

Concluído essa primeira fase com o nosso programa de urgência, convocamos uma conferência de doadores que teve uma extraordinária adesão da comunidade internacional e que resultou num apoio que não só estava a acontecer pela primeira vez, mas os valores que foram colocados à mesa, o número e o nível dos participantes e toda a dinâmica que se gerou, nos convenceu que, de facto, estávamos perante o início de um novo ciclo para a Guiné-Bissau. Visivelmente, ainda havia fronteiras e obstáculos que não estavam ultrapassados, mas eu acredito que serão os últimos. Havemos de encontrar o caminho para a paz e estabilidade na Guiné-Bissau.                

ISABEL: Mas a situação hoje em dia está controlada ou há algum risco de perder o controlo da situação?

Repara, devo dizer o seguinte: eu desde que fui eleito, em Cacheu, em Fevereiro de 2014, como presidente do PAIGC, eu disse o seguinte: eu darei tudo aquilo que depende de mim para que, de facto, as nossas diferenças políticas não resultem em violência. Portanto, violência não faz parte das soluções que nós consideramos para o nosso país, porque a Guiné-Bissau já viveu muitas situações difíceis para o povo guineense. E, portanto, mesmo não concordado com muitas decisões que foram tomadas recentemente por várias instâncias, nós respeitamos essas decisões e transferimos para o campo político a resolução das nossas diferenças.

ISABEL: No campo político, a situação está bloqueada. Todos os guineenses, toda a comunidade internacional se perguntam que passos dar agora. Porque, segundo as últimas coisas que aconteceram, há um Governo que está em exercício há mais de dois meses sem programa aprovado, não há sessões parlamentares e, ainda agora, a Comissão Permanente, que é o órgão do parlamento mais importante entre sessões, chumbou o requerimento de mais uma sessão extraordinária. O Presidente já disse que não vai dissolver o parlamento, como o senhor defende. Segundo o que disse o Presidente guineense, nem agora, nem enquanto ele for o Presidente. Para onde é que vai todo esse bloqueio?

DSP: O bloqueio resulta, pura e simplesmente, da falta da vontade política em resolver a situação. Para que os instrumentos que a Constituição nos dá, estão lá inscritas precisamente para servir de mecanismo de desbloqueio de situações desta natureza. Quando o Presidente da República vem dizer que o quadro parlamentar está alterado, numa situação em que o parlamento foi constituído com base numa eleição que deitou a maioria absoluta de um partido político, como é que o instrumento de desbloqueio que é previsto pela Constituição, que é a convocação de eleições antecipadas, é rejeitada pelo Presidente da República? Portanto, há aqui uma prerrogativa discricionária que o Presidente da República entende que o assiste.                           

ISABEL: O Senhor considera o Presidente responsável por esta crise?

DSP: Eu considero e penso que cada vez mais a maioria dos guineenses também chaga à essa conclusão, porque são factos. O Presidente começou por invocar diferenças incontornáveis entre pessoas, o que, de facto, configurava uma difícil coabitação sem nunca realmente, eu pelo menos, compreender qual era essa incompatibilidade, depois falou-se de corrupção, falou-se de nepotismo… em função disso foi criada uma comissão parlamentar de inquérito que foi fazer o seu trabalho, ouvindo as partes.

ISABEL: Mas, esse relatório não saiu. Porquê?

DSP: Antes de se concluir esse trabalho, o Presidente afirmou, por escrito, que não se lembrava de ter feito essas acusações e, logo a seguir, disse que não reconhecia a validade do trabalho que estava a ser feito pela Comissão Parlamentar de Inquérito. Apesar disso, o trabalho foi feito, o relatório existe e, quem sabe, não será por isso que a Assembleia Nacional Popular não consegue resolver os seus trabalhos. Mas, eu também gostava de esperar muito esse capítulo, porque faz parte, mais uma vez, da história recente da qual nós não nos orgulhamos. Eu penso que um Presidente da República tem que ser, sobretudo, aquele que junta, aquele que une as partes. Nós já vivemos momentos muito difíceis e este está a ser um momento particularmente difícil para Guiné-Bissau. Portanto, há aqui duas soluções possíveis: uma em que o Presidente da República, quanto primeiro magistrado da nação ajuda, realmente, as forças políticas a um entendimento que permita salvar a presente situação.

ISABEL: Mas, para isso, o Presidente da República tem que fazer um recuo, nomeadamente anular o decreto que nomeou este Governo que existe ainda sem programa aprovado?

DSP: Talvez o termo recuo signifique já uma consequência de um braço de ferro. Eu penso que é possível sempre encontrar mecanismos de produção de consenso que salve a face e a posição de uma e da outra parte. O jogo político, num regime semi-presidencial, está reservado aos partidos políticos. Portanto, uma presença da forma como tem acontecido por parte do Presidente da República já não era a forma mais salutar de ele exercer a sua magistratura.

ISABEL: O PAIGC tem outras soluções que pode propor neste momento para tentar resolver esta situação?

DSP: Nós, logo depois da queda do Governo do Camarada Carlos Correia, apresentamos um pacote de soluções ao Sr. Presidente da República, nós dissemos que é verdade o PAIGC ganhou eleições com a maioria absoluta, é verdade que nós recebemos o mandato para governar, mas nós entendemos que perante o quadro político que produziu, tínhamos que fazer cadências no sentido de encontrar uma solução.

ISABEL: O quadro político que se produziu é igual à geringonça portuguesa? Isto é, há uma nova maioria criada com dissidentes do PAIGC.

DSP: Mas, a geringonça portuguesa não encontra reflexos na nossa. Podemos também apelidá-la por geringonça, mas bastante mais grave, porque no caso de Portugal não há um partido que ganha com maioria absoluta, por isso é que o Presidente tem que recorrer a essa solução. No caso da Guiné-Bissau, há um partido que ganha com maioria absoluta no parlamento. Portanto, são situações completamente diferentes. Mas, o pacote que nós apresentamos ao Presidente, vai neste sentido e, em certa medida, é o que o parlamento, neste momento, está a insistir em que os próprios partidos políticos possam garantir a exequibilidade dessa proposta, que é um acordo de incidência parlamentar que permita os partidos políticos, mesmo divergindo em relação às outras questões, possam, em relação às questões fundamentais, estar de acordo que é: nós precisamos de revisitar a nossa Constituição da República, todos estamos de acordo que é preciso – então temos um acordo sobre isso; nós todos estamos de acordo que se houver uma revisão da nossa Constituição, precisamos de rever a nossa lei eleitoral - estamos de acordo; todos nós queixamos do nosso sistema judicial, precisamos não só de um conjunto de alterações legais, mas a própria reforma do sector. Então, estes três instrumentos podiam consubstanciar o trabalho da Assembleia nos próximos tempos. Formava-se um Governo de base alargada, que permitia a gestão do país daqui até as próximas eleições que seriam convocadas em função daquilo que resultar da tal alteração constitucional.

ISABEL: Mas, seria já este parlamento a fazer essa alteração?    

DSP: Sim. Havendo um acordo entre esses partidos, nós chegávamos às próximas eleições já com um quadro constitucional e da lei eleitoral que iria perspectivar o início de um novo ciclo bastante apaziguado e bastante mais tranquilo. Ora, quando o Presidente da República diz nunca, nunca irá dissolver, nós esperávamos que o nunca fosse correspondido com “eu agora vou incentivar os partidos a chegarem a um entendimento”. O que nós vemos não vai nesse sentido, vemos um partido que tenta ser o interlocutor do PAIGC, mas está muito preso a compromissos que terá assumido com o Presidente da República e não consegue se desligar desses compromissos e assim fica difícil, realmente, fazer o jogo, o povo é que vai sofrendo, mas nós, o PAIGC, continuamos comprometidos em trabalhar no sentido de encontrar uma solução.

ISABEL: O senhor reconhece legitimidade ao actual Governo guineense?

DSP: Não! O Governo de iniciativa presidencial não está previsto na nossa Constituição. Isto é como se, no caso de Portugal, o Presidente da República de repente decidisse que, eu não vou chamar o partido em concreto para não ferir nenhuma sensibilidade, mas um terceiro, um quarto, um quinto partido ou alguém da conveniência do Presidente da República, fosse a sua escolha para formar o Governo e poder decidir. Não faz qualquer tipo de sentido e mina a nossa credibilidade interna e internacional. O jogo democrático estabelece um pressuposto que é todos respeitarem os princípios a partir dos quais se candidataram. Quando o Presidente da República, assumindo funções do primeiro magistrado da nação, não reconhece o nosso regime semi-presidencial e reserva-se no direito de interferir na governação do país, não ajuda o país e nós precisamos de muito mais do que isso.

ISABEL: Encontrou essa difícil ou quase impossível coabitação com o Presidente, mas encontrou também muita dissidência interna dentro do seu próprio partido, que motivou a saída dos 15 Deputados que o Supremo considerou que devem estar no parlamento até a plenária decidir da sua expulsão ou não. Essa dissidência interna, essas querelas internas dentro do PAIGC motivam também alguma fragilidade? Porque muitos guineenses perguntam se se não haveria hipótese de, dentro do partido que ganhou as eleições com maioria absoluta, reintegrar ou perdoar esses 15 Deputados, seria sinal de tolerância democrática.   

DSP: É assim: primeiro, eu queria corrigir, dizendo que eu não encontrei incompatibilidades com o Presidente da República. O Presidente da República encontrou incompatibilidades para trabalhar comigo, primeira coisa. Segundo, nós nunca fechamos a porta ao diálogo aos nossos camaradas. Para lhe dar um exemplo, nós, estatutariamente, devemos realizar três (3) reuniões de Bureau Político por ano. No ano de 2015, realizamos oito (8) reuniões de Bureau Político todos no sentido de promover o diálogo interno, chamar os nossos camaradas a razão e a uma tentativa de reconciliação interna. A verdade é que eles não têm condições de corresponder a esse apelo do PAIGC, porque, de facto, se comprometeram com o Presidente da República em ser a voz da oposição à direcção do partido e, portanto, esse compromisso aliado a uma acomodação patológica na Guiné-Bissau tem impedido esse diálogo e esse encontrar de soluções por essa via, porque as pessoas acreditam que é por essa via que conseguem ser alternativa ao pode legal instituído.

Nós vivemos um ciclo de instabilidade que levou muita a gente a se acomodar num pressuposto de que basta fazer um braço de ferro com a direcção, que a direcção tem que sucumbir, tem que negociar e tem que, realmente, flexibilizar no sentido de acomodar a sua intenção. Olha, o que eu digo é que nós continuaremos sempre abertos ao diálogo, à tentativa de reconciliação, à tentativa de unir a família do PAIGC para também contribuir na unidade do povo guineense. Contudo, há princípios que não se negociam, a disciplina tem que ser respeitada, não havendo disciplina, é aquilo que nós temos tido durante os anos.

E, portanto, eu aproveito até este momento para dizer que no dia 19 de Setembro vamos completar 60 anos, vai ser uma efeméride dentro do PAIGC, que as pessoas façam um exame da sua própria consciência e aproveitem aquilo que o PAIGC vai lançar com mais uma oportunidade daqueles que prejudicaram o partido poderem-se redimir, apresentarem as suas desculpas e podermos, realmente, incitar um novo caminho, que esse caminho da intransigência, esse caminho de contrapor-se à direcção, não nos vai levar a nada. Esperar que o PAIGC vai sucumbir às intenções pessoais e mesquinhas de determinadas pessoas, isso não vai acontecer.

ISABEL: O Senhor considerou a nomeação de Baciro Djá uma facada nas costas. Isso porque Baciro Djá foi o porta-voz do seu próprio partido?  

DSP: Sim, sim… eu lamentei essa situação, porque, de facto, eu queria-me concentrar na governação. Os desafios que a Guiné-Bissau enfrenta são tão grande, que toda a nossa capacidade, toda a nossa energia, toda a nossa competência mobilizada podia não ser suficiente para os objectivos que nós tínhamos fixado. Se, além disso, ainda temos que dividir a nossa atenção com estas distracções em que, permanentemente, nós temos que estar a responder às questões que não existem, então, fica mais difícil, realmente, atingir os objectivos.

Repara, quando nós assumimos a governação em Julho de 2014, o conjunto de problemas que nós tínhamos eram extraordinários: nós tínhamos uma taxa de crescimento que era uma recessão pura e dura; nós tínhamos uma situação tanto no sector educativo, como as ameaças do sector da saúde, como fornecimento da energia e água que estava completamente paralisado, como sete (7) meses do atraso do pagamento de salário… tínhamos uma situação ca-tas-tró-fi-ca! E, foi quando nós estávamos a conseguir dar resposta à essas questões, que algumas vozes, muito poucas, começaram a se elevar para dizer: “mas é assim que este Governo quer resolver os problemas?”. Ou seja, em vez de celebrarmos, mesmo sendo pequenas conquistas, sendo conquistas que devíamos celebrar, era mais importante chamar atenção para as divergências. Começamos a ouvir que a unanimidade mata a democracia; começamos a ouvir que nós não queríamos oposição, por isso é que convidamos todo o mundo a participar no Governo, que estávamos a ter políticas concretas e muito específicas, portanto, muito limitadas e nós não tínhamos uma visão de médio e longo prazo. Foi uma surpresa muito grande para essa a gente, quando nós aparecemos a apresentar o nosso plano estratégico de médio e longo prazo, que teve realmente uma grande adesão. Em vez de acompanharem o povo guineense e também aderirem a esse programa e darem uma oportunidade ao povo guineense, assumiram-se como a oposição à esse programa. E, portanto, o que eu digo é: aqui não há um problema entre o Domingos e José Mário Vaz, o Domingos e o Baciro Djá, o Domingos e outras pessoas ou entre essas pessoas e outras pessoas dentro do partido… nós temos outro problema, o país está enterrado no subdesenvolvimento e na pobreza.

Nós apresentamos um programa, é normal que muita gente não goste desse programa, mas nós ganhamos eleições enquanto partido político, estamos legitimados na nossa intenção de aplicar esse programa e ver até onde é que esse programa nos leva, chegando ao fim desse exercício, vamos transferir ao povo o direito de avaliar se nós conseguimos atingir esses objectivos ou não.

Mas, não podemos ter alguém que assume essa responsabilidade, mesmo contrariando aquilo que são as avaliações que o próprio povo faz. O povo diz: “nós tínhamos um Governo que nos pagava o salário nestas condições”. Agora, temos que ver o Presidente da República a sair em visitas aos Estados a pedir apoios. É que voltamos ao passado, a um passado que ninguém queria, realmente, voltar.

ISABEL: O programa Terra Ranka não foi para frente por causa da queda do seu Governo. Como é que vê a possibilidade de esse mesmo programa ser agora posto em prática pelas mãos de outros?

DSP: O programa Terra Ranka é um programa do PAIGC, mas o programa do Governo não foi para frente, porque este Governo, talvez, manchado, à partida, não só pela sua inconstitucionalidade, mas pela sua falta de à vontade, demonstrou completa incapacidade de convencer qualquer tipo de interlocutor. Repara, Isabel invocou aqui os 15 Deputado do PAIGC que decidiram votar contra o programa do seu Governo. Eu penso que todos se lembram que, na altura, um dos motivos fortes que eles invocaram era que não se reviam no programa que eu tinha apresentado. Lembro-me até duma Deputada que dizia que tinha feito campanha na sua região, prometendo um conjunto de coisas que não estava reflectido no programa do Governo. E, portanto, todos pensamos que, com a queda do meu Governo e do camarada Carlos Correia, com a formação desse novo Governo, mesmo sendo ilegal, eles tinham uma oportunidade de apresentar algo diferente. O que é que apresentaram? Disseram que exactamente esse programa é que era melhor para o país.

Mas, sabe, não basta dizer que eu assumo este programa, é preciso identificar-se com esse programa. Portanto, eu acredito que a solução do problema do país continua a estar nas mãos dos principais actores políticos do país. Primeiro, se os partidos políticos compreendem a sua missão e decidam, de facto, dar uma oportunidade a este país, rapidamente nós podemos chegar a um entendimento e, criando o consenso possível, demonstrar ao Presidente da República que tem que respeitar o consenso estabelecido por esses partidos.

Mas, não havendo esse consenso e havendo o Presidente da República a insistir que há um novo quadro, só tem uma solução: tem que convocar as eleições antecipadas. Eu insisto em dizer, isto não é uma prerrogativa cega que foi consignada ao Presidente da República, é um mecanismo de desbloquear a situação do país. E, aqueles que dizem que há aqui um problema de verbas, eu penso que alguém chegou a dizer: “um país que não consegue resolver o problema dos seus hospitais e das escolas, agora vai enterrar 10 milhões de dólares para realizar novas eleições?”. Eu pergunto: 10 milhões de dólares comparados com 1.500 milhões de dólares que nós estamos a enterrar, qual é o balanço possível? Mas, não é só isso, eu penso que neste momento todos os nossos parceiros, mesmo ao nível interno, compreendemos que, por um lado, a Guiné-Bissau tem capacidade para assegurar a realização das suas eleições, como a própria comunidade internacional já está disponível, porque percebe que as perdas são maiores do que qualquer tipo de dano.

ISABEL: Tendo em conta todas estas divisões saídas, inicialmente, de congressos de Cacheu, mas que se têm vindo a mostrar mais nesses últimos dois anos. A questão é: como é que o PAIGC se apresentará a essas eleições: como um partido fragilizado ou ainda como o maior partido da Guiné-Bissau?     

DSP: Isabel, provavelmente, eu vou a surpreender e talvez esteja a surpreender muitos dos que estão a acompanhar-nos, mas eu vou-lhe dizer uma coisa: eu acho que o PAIGC nunca esteve tão unido. A verdade é que há uma instituição da República que é o Presidente da República que decide é dar voz aos contestatários dentro do partido e estes contestatários, beneficiando desta atenção que o Presidente da República insiste em oferecer-lhes, se apresentam, quase, como se estivessem em pé de igualdade com a direcção do partido e com actual situação do partido. Eu posso-lhe dar números para realmente acertar aquilo que eu estou a dizer: Primeiro, como eu já disse, num mandato nosso a frente do PAIGC que começou em Julho de 2014, neste período, nós já fizemos tantas reuniões de Comitê Central e do Bureau Político e quantas reuniões já se fizeram nos últimos 10 anos dentro do PAIGC. Portanto, não há nenhum problema de convocação dos órgãos do partido. Outro número importante, desde o Congresso de Cacheu até este momento enquanto falo a Isabel, nós não aprovamos nenhuma resolução dentro do Bureau Político ou do Comité Central que não tivesse uma taxa de aprovação superior à 95%. A última reunião do Comité Central que nós fizemos, teve a presença de 289 membros, desses 289, 10 votaram entre abstenção e rejeição à proposta da direcção, 278 votaram a favor da proposta que foi apresentada.  

E, portanto, essa minoria depois se levanta para dizer é a unanimidade que vocês procuram, não estão a ouvir as vozes adicionastes. É que aqui, há aqui um problema de disciplina e de reconhecer os métodos democráticos como forma de validação por parte da maioria sem, obviamente, ignorar. Permita-me só concluir, dizendo o seguinte: apesar de tudo isto que eu estou a dizer, eu tenho sido um dos primeiros a ultrapassar essa barreira da intransigência para falar com o outro lado, eu ligo as pessoas, eu já tive encontro com todos, não vou agora estar aqui a mencionar. Quando nós tentamos formar o Governo do camarada Carlos Correia, eu, pessoalmente, fui telefonando a cada uma dessas pessoas, convidando-os a se sentar connosco, convidando-os a mostrar que realmente juntos podemos constituir um consenso a volta do nosso programa, mas como eu digo, eles estão presos a compromissos que assumiram com entidades que querem produzir uma alternativa ao PAIGC e sentem essa frustração quando, no olhar deles, nós não facilitamos esse jogo.

ISABEL: Nós estamos mesmo no final desta nossa entrevista e eu não posso deixar de perguntar. O senhor foi Secretário Executivo da CPLP, tinha uma carreira internacional promissora prestigiante pela frente. Está, de alguma forma, arrependido por ter voltado a apostar na política guineense e ter voltado à Guiné?  

DSP: Não! Não posso-me arrepender do tempo e de uma dedicação que eu faço para o meu país e para o meu povo. Isso é uma pergunta muito recorrente que eu ouvi, sobretudo quando eu regressei ao país e me apresentei como candidato à liderança do PAIGC.

ISABEL: Mas, tendo em conta o que aconteceu nesses últimos anos?

DSP: Não…não… o que aconteceu nestes últimos anos só demonstra a profundidade do problema guineense e, portanto, se o problema é tão profundo, então, convoca a todos os guineenses a podermos contribuir para a resolução do problema. A única coisa que eu digo a todos quantos me dizem isso é que mesmo quanto eu estava em Portugal, muita a gente até podia não sabe que eu era guineense, mas eu sabia que era guineense. Portanto, aquilo que acontecesse ao mau país e aquilo que acontecer ao meu país, acontece-me a mim. E, portanto, eu estou feliz por saber que eu estou a dar o meu melhor a favor do meu partido e do meu país. Se o meu melhor não for suficiente, vamos juntos sucumbir, mas eu acredito que, no meio de tudo isto que parece ser um pântano que ninguém se entende, comece realmente a surgir uma geração de guineenses que acreditam que o futuro está com a verdade e o combate dessas intrigas, destes golpes baixos que têm sucumbido a Guiné-Bissau.

Desculpe, não posso perder esta ocasião para dizer que eu regresso proximamente
à Guiné. Setembro, normalmente, é o nosso mês de celebrações, mas este ano é especial. 19 de Setembro de  2016, o PAIGC completa 60 anos da sua existência, vamos querer, realmente, transformar este momento num marco em que o PAIGC convoca a todos os seus militantes, a todos guineenses para, realmente, a partir do PAIGC, convocarmos a noção guineense para uma nova página da nossa história.

ISABEL: Muito obrigada, Sr. Eng.º por ter vindo a esta grande entrevista à África e, à si que nos acompanhou, muito obrigada também. Até uma próxima oportunidade.

DSP: Um grande prazer.

De: Lope ku Fundinhu
                                                  
                                 

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